quarta-feira, 10 de março de 2010

A igreja e o mundo de hoje

Quem foi Jesus? É uma indagação com várias respostas. Alguns identificam-no como revolucionário, comunista, pacifista e até o cumulo de chamá-lo de gay. Dentre todas as opções acima, com exceção da última, há elementos nos evangelhos que podem substanciar estes argumentos, todavia, a partir de uma retro leitura, que no caso não confere validade ao contexto histórico de Cristo. Antes de tomar a figura histórica de Cristo como pressuposto ideológico, convém salientar qual era o objetivo primeiro de Cristo. Por que veio ao mundo?

Veio para salvar os homens, dar sua vida em redenção, buscar as ovelhas desgarradas, sua missão é de caráter religioso e não político como pensavam alguns. Isto não significa dizer que Jesus não se importava com a política, com a ética. Suas palavras não estavam dissociadas da sua maneira de viver, suas atitudes confrontavam o sistema político e religioso, “ A ética vivida e proposta por Jesus não é parte justaposta à sua vida e à sua mensagem religiosa.” (VIDAL. p. 11) Ele criticou duramente os fariseus com seu formalismo ritualistico.

O modo de Jesus agir propunha desmascarar falsas idéias dominantes, conceitos religiosos que não faziam mais sentido para sua época, libertando o povo do julgo dos fariseus mais preocupados com a lei do que com a mudança do coração, a “purificação da consciência”. Sua ética era contextualizada e não ascética, meramente teórica. Teoria e prática andavam juntas com Cristo. Buscava a “conversão radical do homem” (Vidal p. 34), já que este tinha perdido seu valor. Cristo valorizava o homem, respeitava , estimava.

A conversão era renúncia de valores falsos e moral decaída, os seguidores de Cristo vivem valores do Reino e “criam” uma moral a partir de Cristo que transforma a vida interior e uma pessoa transformada muda a sociedade onde vive. Somos o reflexo de Cristo na terra. Jesus propagou a igualdade, serviço , amor e doação ao próximo rejeitando a exclusão, a violência e o egocentrismo de sistemas manipuladores.

O “Reino de Deus está entre nós”, mas quais são os valores do Reino? Vivemos o Reino hoje em dia? O Reino assume valores contrários à ética mundana do Seu tempo, novos valores são apresentados aos homens (Mt.5 v. 3-10). O Reino de Deus é visto como prioridade, algo insubstituível, tudo o mais perde o valor diante deste evento. A justiça reina, “justiça maior que a dos escribas e fariseus” (Mt. 5 v. 20)

Quanto à política, Jesus não legitimou a autoridade suprema a César. Ele limitou a atuação do Estado a uma obediência maior, a Deus, porém reconhece o valor do Estado ao bem do povo. Jesus é o Senhor, esta afirmação é bem perigosa, já que naqueles dias havia o culto ao Imperador. De forma geral, Jesus não admiti a absolutização do Estado, o cristão deve oferecer condições para que o Estado governe , mas pode ir contra quando este vai em direção contrária a Deus, o Estado é necessário e útil dentro do contexto histórico, não pode ser negado, a prioridade entretanto é ao Reino de Deus.

Os seguidores de Cristo, os apóstolos, reagiam diante da política de qual forma? Paulo disse, “Submetam as autoridades constituídas...” (Rm. 13 v. 1-7), isto não propõe obediência cega ao Estado, pelo contrário, como já foi dito, obedecê-lo enquanto não tenta tomar o que pertence a Deus, “Dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”. O pano de fundo quando o cristianismo surgiu em relação a religião romana era de declínio e o crescimento das religiões de mistérios. A filosofia vigente era o Epicurismo e o Estoicismo e a moral de forma geral era decadente principalmente entre os poderosos, a Aristocracia, é diante destes fatos que Jesus e seus discípulos agiam e pregavam. Pensaram e refletiram a ética de Cristo dentro da sua cultura e dos seus problemas. Sendo imitadores de Deus, cabe a nós pensar e propor uma ética cristã para o tempo em que vivemos, do mesmo modo como todos os grandes pensadores analisaram e buscaram respostas para problemas reais da sua sociedade, hoje é a nossa vez.

“Qual seria a teologia de que precisamos hoje?” (KUNG. p.215) indaga Hans Kung. Diante dos fatos presenciados por milhares de brasileiros, da podridão do congresso com mensalão, sanguessuga e caixa dois, de justiça não realizada, de discursos vazios de sentido com a intenção sofista de enganar os ouvintes, dá idéia transmitida para os telespectadores de que os homens eleitos pelo povo fazem-nos de palhaços, danças comemorativas e saídas intelectuais de primeira classe. Diante destes fatos cabe uma pergunta , será que a educação e o conhecimento podem mudar realmente alguém? Seria extremista em afirmar que não, mas por outro lado afirmo um sim, não são eles que exibem orgulhosamente seus títulos de mestres, doutores, não são eles o exemplo do povo em quem devêssemos nos inspirar? Sim boa parte nos inspira, ao roubo, à mentira, à falsidade, eles não são mais referência a ninguém, hoje não se vota em um bom candidato, mas em alguém que rouba menos.

Esta perda de referência de identidade é generalizada, a sociedade vive a secularização, tudo tornou-se comum e conformista, os políticos roubam, pastores manipulam seus fiéis, não faz mal desde que eu esteja bem. Hoje não há encanto na vida na contemplação estética da obra de arte da música com letras inteligentes, preferem as letras lascivas do funk onde mulheres oferecem gratuitamente seus corpos em danças sensuais, a mulher mais do que nunca tem perdido seu valor tornando-se um objeto de consumo.

Não faz mais sentido reunir doze apóstolos e manter um ambiente de comunhão na Igreja, lá ninguém conhece quase ninguém, a não ser os mais íntimos, impera o individualismo e à busca pela felicidade a qualquer custo. Jesus morreu por todos, hoje se alguém tiver que morrer é por si mesmo, não existe relações profundas de amizades, tudo fica no plano do obvio, na Igreja a busca é pela sensação de prazer de felicidade. Quantas vezes ouvimos, “vou nessa igreja porque me sinto bem”, quando perde a sensação abandona o barco e procura outra. Como percebe-se muito claramente, o trânsito de membros de uma denominação à outra e isto acontece freqüentemente, também com tantas opções no mercado religioso fica fácil escolher, tem a igreja só dos carismas, a do sucesso econômico, a do amor tudo é livre, a da lei nada é permitido e assim vai. A igreja tem se tornado o mercado do consumismo como um shopping Center, só pego aquilo que é interessante no sermão do pastor, o que toca a ferida e não dá prazer, mas produz reflexão, não serve e ainda usa o versículo das Escrituras para apoiar e dar paz a consciência “retende o que é bom”.

Sociedade de hoje é moldada pela mídia a uma super valorização do corpo, ou seja quem não está no padrão de garoto “bombado” está fora da moda, as adolescentes que não conseguem se enquadrar no estilo “magrinha” são postas de lado, e acabam sofrendo psicologicamente. A ênfase está em aproveitar a vida, usufruir dos benefícios do corpo, ou melhor, do prazer que ele oferece sem compromisso e responsabilidade, tudo inicia e acaba na mesma noite, o importante é o prazer.

O superficialismo acaba por banalizar os relacionamentos, a desconfiança substitui a confiança e qualquer um pode ser tachado de “maloqueiro”, como acontece não raramente com pessoas da periferia. Nesse pluralismo de hoje não há religião exclusiva tradicional, as que tentam manter certa tradição acabam por se auto-excluir das pessoas, surgem como opção novos movimentos religiosos oferecendo novas idéias. Como já foi referido acima, gera a mobilidade dos membros e a espiritualidade deixa de ser ascética voltada à contemplação e torna-se prática “faça isso e Deus realizará seu desejo”.

De forma geral a sociedade de hoje valoriza o “Eu”. Os afetos, sentimentos, emoções e desejos, tornam-se uns fins em si mesmos. No pensamento rompe contra sistemas acabados (fechados), mais adeptos às mudanças a algo fixo. Na moral os valores estão em transformações constantes, existem muitos caminhos: Individualismo, superficialismo, secularismo e pluralismo, isto é a pós-modernidade.

“Estamos eticamente confusos, porque perdemos nossos referenciais, e não sabemos nem como buscá-los, porque eles só são encontrados na solidariedade. Não nos enganemos: o próprio Deus só é encontrado no próximo” (AMORESE. p. 206) a melhor opção neste caso, é uma postura ética e clara da igreja contra essa relatividade da verdade e tudo aquilo propagado pela pós-modernidade. A escolha pela ética é uma proposta que Kung afirma, “Não devem ser os problemas do passado a ter prioridade mas sim os problemas universais e multifacetados do ser humano e da sociedade humana actual” . Guerras feitas em nome de Deus por cristãos que afirmam o amor ao próximo por mero interesse político e econômico. Este quadro deve ser revertido o mundo precisa conhecer a Igreja do amor, da solidariedade, da paz, a tolerância e o respeito devem ser visto como uma possibilidade para um mundo melhor.

Não há como afirmar uma solução para os conflitos do mundo pós-moderno não existe uma resposta pronta capaz de dar conta desses fatos. O caminho possível a se seguir, em relação a Igreja “é ser igreja: ser e oferecer-se ao mundo como comunidade da solidariedade, da esperança, do amor, da aliança... A medida que absorve a crise ética e nela se perde, ela se descaracteriza enquanto igreja, e se torna útil apenas para ser lançada e pisada pelos homens” (AMORESE. p. 44)

A postura da Igreja tem que ser clara definida, enquanto impera o individualismo ela oferece o coletivismo, não estou salvo, ou salvação individual, antes nós estamos salvos, salvação coletiva, Cristo vem buscar uma Igreja, não uma pessoa. Educar os membros a aprofundar o amor de Cristo conhecer o outro o irmão, que chamamos de irmão porque não sabemos o nome e temos vergonha de perguntar já que ambos eu e ele estamos na Igreja a um bom tempo !. Voltar a sacralizar nosso corpo, a Igreja, que é a imago mundi, segundo Mircea,

Mas estrutura cosmologica do Templo permite uma nova valorização religiosa: lugar santo por excelência, casa dos deuses, o Templo ressantifica o Mundo, uma vez que o representa e o contém ao mesmo tempo. Definitivamente, é graças ao Templo que o Mundo é ressantificado na sua totalidade. (ELIADE. p. 56)


Enquanto o pluralismo oferece vários caminhos, apresentemos um só Jesus Cristo, o Senhor.

REFERÊNCIAS:



VIDAL,. Para conhecer a ética cristã. Edições Paulinas. 1989. São Paulo

KUNG, Hans. Os grandes pensadores do cristianismo. Editorial Presença.1999. Lisboa

AMORESE, Rubem. Excelentíssimos senhores. Ultima Editora. Minas Gerais. 1995

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Martins Fontes. São Paulo. 2001

Diogo Crotti

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